quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Seminário de Justiça discute surgimento do Comando Vermelho e ditadura militar

Depois de assistir ao filme "Quase dois irmãos" (2004; Lucia Murad), que trata da relação entre presos do regime militar e os ditos "presos comuns" na penitenciária de Ilha Grande-RJ no qual surgiu na mesma época o Comando Vermelho (uma das principais facções criminosas responsável pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro), Ignácio Cano e Sílvia Ramos iniciaram um debate sobre o possível acesso a arquivos e documentos da época do regime iniciado em 1964 e das semelhanças entre o Rio de Janeiro da época e o atual.

Sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar, Ignácio Cano (professor do Departamento de Ciências Sociais da Uerj), acredita que essa possa ser uma maneira de minimizar o sofrimento das milhares de famílias que tem entes desaparecidos até hoje. "Enxergar o passado é uma obrigação do país e uma forma de prevenir o futuro. A lei de anistia (de 1979) proíbe a punição dos responsáveis pelos crimes de tortura e assassinatos, mas mesmo assim o Brasil é incapaz de abrir os arquivos da ditadura. As pessoas precisam saber o que aconteceu, tem que saber onde estão os corpos dos seus parentes desaparecidos".

Além disso, o especialista em segurança pública confrontou a postura do exército brasileiro com a de outros países que também passaram por um regime ditatorial: "Na Argentina e no Chile, por exemplo, o exército já reconheceu o drama e os erros da ditadura militar. Mas o exército brasileiro é incapaz de fazer isso. E o que mais me indaga é que isso nos mostra o quanto os civis ainda estão subordinados aos militares".

Para Antônio Duarte, condenado a 12 anos de prisão em 1966 sob acusação de ter realizado motim, o filme não revela o que realmente acontecia nas prisões que abrigavam presos condenados por crimes diferenciados. E sobre a acusação, que segundo ele está implícita no filme de Lúcia Murad, de que os presos políticos teriam ensinado os presos por crimes comuns a se organizar, culminando no nascimento do Comando Vermelho, ele desabafa:
" Os presos por crimes políticos não ensinaram os demais a se organizar. Pelo menos eu não notei isso durante o tempo em que fiquei preso na penitenciária Lemos Brito (uma das penitanciárias do Complexo Frei Caneca, localizado no centro do Rio). Não havia esse diálogo entre esses dois grupos que o filme mostra. A "falange vermelha" não aprendeu a se organizar conosco. E se eles aprenderam a se organizar na convivência conosco, aprenderam a roubar com a elite brasileira".
Para Sílvia Brito, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, há semelhanças do período militar com o que estamos vivendo hoje na cidade do Rio de Janeiro.

"O número de homicídios no Brasil é de 25 a cada 100 mil habitantes, já quando trata-se da cidade do Rio de Janeiro, este número sobe para 120 homicídios a cada 100 mil habitantes. É preciso pensar nisso quando se pensa em transição de Justiça. O Rio de Janeiro de hoje apresenta muitas semelhanças com o Rio de Janeiro do regime militar.".

O encontro, ocorrido na Uerj entre os dias 17 e 19 deste mês, foi uma iniciativa da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça e do Laboratório de Políticas Públicas (Uerj).

Escrito em: 20 de nov de 2008

Nenhum comentário: